Da Instituição de Condomínio nos Loteamentos Fechados
Atualmente, muito se discute sobre a legalidade dos “loteamentos fechados”, por falta de previsão na Lei de Parcelamento do Solo (n°. 6.799/79) e em qualquer outro diploma normativo federal.
Alguns municípios têm admitido esse tipo de empreendimento[1], e nesse caso, através de concessão, permissão ou autorização de uso outorgada pela Prefeitura, os espaços internos que, por lei, devem ser doados ao Poder Público Municipal - para implantação do sistema viário, praças, e outros espaços institucionais - permanecem sob a responsabilidade do empreendedor ou de uma associação de moradores.
Frise-se que, referidos espaços continuam como propriedade do Poder Público Municipal que, em troca de serviços de manutenção e conservação dos logradouros e das áreas verdes, coleta domiciliar de lixo, iluminação, etc, permite o fechamento físico do loteamento para uso exclusivo dos proprietários/moradores.
Essa modalidade de empreendimento se submete aos ditames da Lei 6.766/79.
Cumpre assinalar que, na prática, para que se viabilize a vida comunitária e a obtenção de receitas para a administração e manutenção do ‘loteamento fechado’, sobretudo a conservação das áreas comuns, a prestação de serviços básicos de saneamento, a iluminação, a coleta de lixo, a pavimentação, a limpeza e a segurança, muito comum a formação de uma ‘associação de moradores’ e a conseqüente instituição de ‘taxa de manutenção’.
O problema é que, a Constituição Federal, em seu artigo 5°, incisos XVII e XX, garante a liberdade de associação, estabelecendo que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”. Diante disso, nem todos farão parte da associação de moradores, sendo que, aqueles efetivamente associados acabarão pagando pelos benefícios que se estenderão a todos os proprietários/moradores, até mesmo aos não associados.[2]
Por outro lado, há entendimentos, inclusive com precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no sentido de que, associado ou não, o morador deve contribuir no rateio das despesas comuns traduzidas em taxas de manutenção, criadas por uma associação constituída para a prestação desses serviços, sob pena de enriquecimento injusto. [3]
Diante da divergência enunciada e para que não se corra o risco de posteriormente declarar-se como ‘não obrigatória’ a ‘taxa de manutenção’ nesse tipo de empreendimento, cogita-se da possibilidade de uma nova modalidade de parcelamento do solo, qual seja, o ‘condomínio horizontal de lotes’; figura também não contemplada em legislação federal [4], mas prevista no Projeto de Lei n°. 20/2007, sob a denominação de ‘condomínio urbanístico’. [5]
Entretanto, apesar da falta de regulamentação, muitos municípios autorizam essa nova figura, fundamentando a sua validade, no artigo 3°, do Decreto-Lei 271/67, c.c. artigo 8°, da Lei 4.591/64.
Observa-se que, nesses casos não há a prévia construção da “unidade autônoma” (que ficará a livre critério do condômino) e nem a obrigatoriedade da reserva de espaços públicos; sendo aquela (unidade autônoma) o próprio lote.
Importante esclarecer que o condomínio edilício previsto na Lei 4.591/64, exige, para a sua instituição, a prévia edificação do empreendimento. No condomínio horizontal de lotes, por sua vez, de acordo com o artigo 8°, alíneas “a”, “c” e “d”, da Lei 4.591/64 e artigo 3°, do Decreto-Lei 271/67, ‘equipara-se o loteador ao incorporador, os compradores de lote aos condôminos e as obras de infra-estrutura à construção da edificação’.
Assim, uma vez realizadas as obras básicas de infra-estrutura do empreendimento, estará suprida a necessidade da prévia construção, e conseqüentemente, o requisito legal contido na lei de condomínio edilício.
Posteriormente, deve-se apresentar no Cartório de Registro de Imóveis um requerimento solicitando o registro da ‘instituição condominial’, com os documentos indispensáveis, dentre eles: o projeto aprovado pelo município, contendo a legislação que autoriza esse tipo de empreendimento[6]; planilha de custos das obras de infra-estrutura e a convenção de condomínio. Caso haja a realização de incorporação imobiliária para a consecução do condomínio horizontal de lotes (alienação das unidades antes da averbação das obras de infra-estrutura), a documentação a ser apresentada deverá ser a constante no artigo 32, da Lei 4.591/64.
No condomínio horizontal de lotes, para efeitos de individualização, os lotes serão designados numericamente, constituindo-se em unidades imobiliárias distintas, na forma do artigo 176, da Lei de Registros Públicos (6.015/73), objetos de matrícula própria. Cada unidade autônoma terá sua área útil privativa descrita e caracterizada por suas medidas perimetrais, característicos, confrontações e área, acrescida de sua participação nas coisas de uso comum e a correspondente fração ideal no terreno em que se assenta o empreendimento.
O proprietário da unidade autônoma poderá utilizá-la livremente, podendo edificar ou não, respeitadas as normas de ordem pública e as estipulações previstas na Convenção de Condomínio.
Por fim, necessário ressaltar que para alguns doutrinadores e juristas, o Decreto-lei n°. 271/06 teria sido revogado pela Lei Federal n°. 6.766/79. Entretanto, prevalece o entendimento de que apenas teria ocorrido a ‘derrogação’ de alguns dos seus dispositivos, continuando o seu artigo 3° em pleno vigor.
Assim, não existiria óbice algum à instituição do condomínio horizontal de lotes, realidade presente em muitos municípios brasileiros, aceita inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça[7], e que preza, sobretudo, a maior segurança dos moradores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ARAGÃO, Severiano Ignácio. Regime Jurídico do Condomínio Fechado. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1997.
BOLETIM CARTORÁRIO. Disponível em: http://www.diariodasleis.com.br/bdi
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
MELLO, Cleyson de Moraes e FRAGA, Thelma Araújo. Condomínio. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2003.
SARMENTO FILHO, Eduardo Sócrates Castanheira. Loteamento Fechado ou Condomínio de Fato. Curitiba: Juruá, 2009.
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1995.
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 5ª ed. rev. e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2008.
[1] Há doutrinadores e juristas que entendem pela ilegalidade do loteamento fechado, bem como do condomínio horizontal de lotes, por não ter o Município, competência legislativa em matéria de parcelamento do solo e condomínio. Este é o entendimento, inclusive, de José Afonso da Silva (‘Direito Urbanístico Brasileiro’, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, p. 316). Por outro lado, entendo que o município tem ‘permissão’ constitucional para tanto – artigo 30, inciso I e VIII.
[2] “AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. TAXAS DE MANUTENÇÃO DO LOTEAMENTO. IMPOSIÇÃO A QUEM NÃO É ASSOCIADO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Por ocasião do julgamento dos Embargos de Divergência no REsp 444.931/SP, a Segunda Seção desta Corte consolidou entendimento no sentido de que "As taxas de manutenção criadas por associação de moradores, não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo." (EREsp 444931/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, Rel. p/ Acórdão Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/10/2005, DJ 01/02/2006 p. 427) 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg nos EDcl no Ag 551.483/SP, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 19/11/2009, DJe 02/12/2009)
No mesmo sentido: REsp 1071772/RJ, Rel. Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 07/10/2008, DJe 17/11/2008; EREsp n.º 444.931/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Rel. p/ Acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, Segunda Seção, DJU de 01.02.2006; REsp 444931/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/08/2003, DJ 06/10/2003.
[3] "LOTEAMENTO. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. DESPESAS COMUNS. RECURSO ESPECIAL COM BASE NA ALÍNEA “C” (...) Cabe ao proprietário de imóvel integrante de loteamento administrado por entidade que presta serviços no interesse da comunidade contribuir para as despesas comuns, sob pena de enriquecimento injusto. Precedentes do STJ. Recurso especial não conhecido." (STJ - Resp 139.359/ SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, DJU, 24.11.2003).
"Civil. Agravo no recurso especial. Loteamento aberto ou fechado. Condomínio atípico. Sociedade prestadora de serviços. Despesas. Obrigatoriedade de pagamento. - O proprietário de lote integrante de loteamento aberto ou fechado, sem condomínio formalmente instituído, cujos moradores constituíram sociedade para prestação de serviços de conservação, limpeza e manutenção, deve contribuir com o valor correspondente ao rateio das despesas daí decorrentes, pois não se afigura justo nem jurídico que se beneficie dos serviços prestados e das benfeitorias realizadas sem a devida contraprestação. Precedentes. (STJ - AgRg no REsp 490.419/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/06/2003, DJ 30/06/2003 p. 248).
Em igual sentido: REsp 439.661, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 18.11.2002; REsp 261892/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 24/10/2000, DJ 18/12/2000; Resp 180.838/SP, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJU, 12.12.1999.
[4] A única forma de condomínio imobiliário prevista no nosso ordenamento jurídico é o condomínio edilício. De acordo com a Lei 4.591/64, para a instituição do condomínio edilício, necessária a prévia construção (edificação) do empreendimento/das suas unidades autônomas.
[5] Art. 3°, inciso XII – “divisão do imóvel em unidades autônomas destinadas à edificação, as quais correspondem frações ideais de áreas de uso comum dos condôminos, sendo admitida a abertura de vias de domínio privado e vedada a de logradouros públicos internamente ao perímetro do condomínio”.
[6] Para alguns, como é o caso de Tatiana Passos – Registradora de Imóveis em Santa Catarina – é possível que haja a aprovação sem a existência de uma legislação municipal específica (in BDI n°. 20/2004).
[7] Nesse sentido:
“...Torna-se muito claro que o condomínio existe, comunheiros os moradores da área que mantêm empregados para manutenção e conservação e dispõem sobre as partes de uso comum. Não seria razoável uma interpretação restrita da abrangência da Lei nº 4.591/64, como se os loteamentos ou as vilas ou o conjunto de casas sobre uma determinada área não pudessem organizar-se sobre a forma condominial para efeito de preservar as áreas comuns existentes e manter a vigilância necessária com a participação de todos os moradores da área”. (Voto-vista do Min. Carlos Alberto Menezes Direito, no REsp 139952/RJ, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/02/1999, DJ 19/04/1999 p. 134)
“Loteamento. Associação de moradores. Cobrança de taxa condominial. Precedentes da Corte. 1. Nada impede que os moradores de determinado loteamento constituam condomínio, mas deve ser obedecido o que dispõe o art. 8º da Lei nº 4.591/64. No caso, isso não ocorreu, sendo a autora sociedade civil e os estatutos sociais obrigando apenas aqueles que o subscreverem ou forem posteriormente admitidos. 2. Recurso especial conhecido e provido”. (REsp 623.274/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/05/2007, DJ 18/06/2007 p. 254)