Lei de Alienação Fiduciária não se aplica sem o registro do contrato de compra e venda no Cartório
Com a edição da Lei nº 9.514, que entrou em vigor em novembro de 1.997, denominada de Lei de Alienação Fiduciária de Imóveis, o mercado imobiliário de forma coesa passou a adotar a novel sistemática legal para regular o negócio jurídico de compra e venda de unidades imobiliárias prontas ou em edificação, buscando emprestar maior segurança jurídica aos vendedores, bem como também aos compradores.
Com a aplicação da lei, algumas divergências emergiram, especialmente sobre a obrigatoriedade ou não do registro do contrato de compra e venda com alienação fiduciária no Cartório de Registro de Imóveis competente, bem como a supremacia da referida lei de alienação fiduciária em confronto com o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Após período inicial de interpretações e decisões assimétricas, onde alguns juízes superavam a Lei 9.514/97 para aplicação do CDC, em caso de rescisão do contrato de compra e venda, por inadimplemento do comprador, outros julgadores adotavam a aplicação da lei especial, afastando a incidência do CDC.
Durante alguns anos o mercado imobiliário conviveu com essa dicotomia: a rescisão do contrato de compra e venda e restituição dos valores pagos seria regido pela Lei especial de Alienação Fiduciária ou pelo CDC?
Tal cenário provocou insegurança no setor imobiliário e fragilizou a eficácia da novel Lei de Alienação Fiduciária de Imóveis, posto que a aplicação do CDC no contexto fático poderia impactar, desmonetizar e provocar atrasos na execução das obras de incorporação, pois o construtor deveria restituir entre 80% e 90% dos valores pagos pelo inadimplente e de forma imediata, em único pagamento, sob pena de submeter aos morosos processos judiciais de rescisão de contrato, e com isso, ficando o imóvel sub judice e não disponibilizado para ulterior venda, até o julgamento final do processo.
Já no regime de alienação fiduciária a regra é totalmente diversa, onde o imóvel prometido ao comprador, em caso de inadimplência, será levado a leilão, por via administrativa, e resolvido a questão de forma célere, sem passar pelo crivo do Judiciário.
Com a evolução das demandas judiciais, finalmente o egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA no julgamento do Recurso Especial nº 1.891.498 – SP, convertido em RECURSO REPETITIVO, com relatoria do Ministro MARCO BUZZI, proferiu voto condutor, nos seguintes termos, verbis:
“Em contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária devidamente registrado, a resolução do pacto, na hipótese de inadimplemento do devedor, devidamente constituído em mora, deverá observar a forma prevista na Lei nº 9.514/97, por se tratar de legislação específica, afastando-se, por conseguinte, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ...”.
O referido julgamento foi materializado em 26/10/22 e a decisão fora convertida no tema 1095 e, com isso, gerando efeito vinculante para os demais tribunais.
O fundamento precípuo da referida tese é a obrigatoriedade do registro do contrato de compra e venda perante o CRI competente, para que a garantia da alienação fiduciária tenha plena eficácia e possa ser executada de forma extrajudicial, sem aplicação do CDC e sem passar pelo crivo do Poder Judiciário.
Neste diapasão, verifica-se que o incorporador ou vendedor deverá promover o registro do contrato de compra e venda com alienação fiduciária junto ao CRI competente logo após formalizado o ato jurídico.
Assim, é de fácil conclusão que a plena eficácia da garantia de alienação fiduciária submetida ao crivo da Lei especial 9.514/.97, somente poderá ser invocada na hipótese em que o contrato de compra e venda esteja devidamente registrado no CRI competente, pois, caso contrário, a resolução do negócio poderá ser submetida as regras do CDC, e com grande possibilidade de judicialização do caso.
Por Dr. Mauro Gonzaga Jayme
Sócio da Advocacia Arthur Rios desde 1983.
Graduado pela Universidade Federal de Goiás (UFG).
Vice-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de Goiás, de 2013 a 2015.
Juiz do Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de Goiás, de 2004 a 2018.