Securitização de Créditos Imobiliários

1 INTRODUÇÃO

No momento, a securitização de créditos imobiliários é responsável apenas por dois a três por cento do financiamento total da atividade imobiliária no Brasil.  No entanto, agentes dos mercados imobiliário e financeiro preveem que tal fonte de financiamento deve se tornar mais relevante em futuro muito próximo.  Isso em decorrência do esperado esgotamento da caderneta de poupança – a atual principal fonte de financiamento do segmento habitacional.

Caso o mercado de imóveis continue crescendo no atual ritmo, os recursos da poupança devem suportar a demanda do mesmo apenas até 2012.  Logo, o estudo do tema se mostra relevante, especialmente para os militantes da área imobiliária. Os aspectos ligados à segurança jurídica da operação é o objeto central de análise do presente trabalho.

2 DA SECURITIZAÇÃO


A conceituação de securitização é algo tormentoso. O termo é utilizado no país para representar diferentes realidades. Em uma concepção genérica, refere-se a todo e qualquer negócio jurídico de transformação de instrumentos de dívidas ou créditos em títulos ou valores mobiliários. 

Especificamente, representa a operação objeto de estudo do presente trabalho, ou seja, o conjunto de negócios jurídicos coligados que visa à emissão de títulos ou valores mobiliários lastreados em determinado ativo, presente ou futuro, passível de gerar receita futura e que, geralmente, é segregado do patrimônio de seu titular original.

A operação padrão de securitização pode ser sintetizada da seguinte maneira: o titular de bens, direitos ou expectativas de direitos (originador) cede os mesmos para uma sociedade de propósito específico ou um fundo, o que a doutrina denomina de Veículo de Propósito Específico (VPE). Este emite títulos ou valores mobiliários lastreados nos ativos adquiridos. Por fim, os investidores compram os papéis emitidos pelo VPE, que geralmente remunera o originador com o dinheiro recebido daqueles. 

A diferença entre uma emissão normal de um título ou valor mobiliário por uma sociedade e a emissão decorrente de securitização reside no fato de que nesta há, em princípio, a mitigação da responsabilidade do originador perante os investidores. A principal garantia dos títulos é o ativo segregado e não a sociedade emissora. Logo, a qualidade do ativo é que determina a do título.

A forma de segregação do ativo que serve de lastro para os títulos ou valores mobiliários a serem emitidos na securitização é o que distingue as diferentes formas de securitização. Basicamente, há duas estruturas distintas possíveis para a securitização de créditos, variando em cada uma delas o VPE utilizado na segregação ou blindagem do ativo. 

Esse papel pode ser desempenhado tanto por um fundo de investimento quanto por uma Sociedade de Propósito Específico (SPE). Embora a legislação não trate as operações com fundos de investimentos como securitização, tais operações podem apresentar todas as características que a definem. 

Isso se dá, especialmente, nos casos de Fundos de Investimentos Imobiliários e de Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios. Neles, os fundos exercem a mesma função de uma sociedade de propósito específico.

No presente trabalho se estudará a securitização de créditos imobiliários regulamentada pela Lei 9.514/1997. Como se verá, o conceito de securitização previsto na mesma engloba tão somente as securitizações via sociedades.


2.1 Da Securitização de Créditos Imobiliários


O art. 8º da Lei 9.514/1997 define a securitização de créditos imobiliários como a operação pela qual tais créditos são expressamente vinculados à emissão de uma série de títulos de crédito, mediante Termo de Securitização de Créditos, lavrado por uma companhia securitizadora, onde constarão todas as informações a respeito da operação.

A lei prevê, portanto, como veículo de propósito específico as sociedades securitizadoras, as quais têm a finalidade de adquirir os créditos imobiliários, emitir os títulos lastreados nos mesmos e colocá-los no mercado de capitais.

Os referidos títulos são denominados, ainda pela Lei 9.514/1997, de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI). Somente as securitizadoras podem emití-los.

A securitização de créditos imobiliários é, então, assim sintetizada: o titular de um crédito imobiliário cede tal crédito para a securitizadora.  Esta emite, via Termo de Securitização de Créditos, os Certificados de Recebíveis Imobiliários e, por fim, os negocia no mercado.

Com os recursos captados de investidores, as companhias securitizadoras podem pagar os créditos adquiridos ou comprar novos créditos imobiliários, alimentando a atividade imobiliária operacional, a partir do adiantamento de receitas para as empresas originadoras dos créditos. Viabiliza-se, assim, a renovação do ciclo creditício.

2.2 Do Crédito Imobiliário


Antes de passarmos ao estudo dos instrumentos de segregação patrimonial, bem como dos negócios jurídicos envolvidos na securitização de créditos imobiliários, é imperioso tecer alguns comentários sobre o conceito de crédito imobiliário.

Inexiste definição legal sobre o que seriam créditos imobiliários. A doutrina, por sua vez, pouco se preocupou com a questão. A compreensão de um conceito de crédito imobiliário, compatível com a Lei 9.514/1997, é relevante, pois, somente este pode lastrear CRIs. Logo, créditos de natureza diversa não poderão ser securitizados com base nas regras da citada lei.

Melhim Chalhub justifica sua posição:


[...] o que distingue a securitização de créditos em geral, não-imobiliários, da securitização de créditos imobiliários é a inexistência ou a existência de bens garantindo o crédito securitizado. [...] parece claro que a qualificação da espécie imobiliária decorre de um vínculo de natureza real entre os créditos e determinados imóveis; por isso é que o inciso I do art. 8º determina a individualização do imóvel vinculado ao crédito imobiliário e, ademais, o art. 10, parágrafo único, manda averbar o termo de securitização na matrícula do imóvel cujo crédito esteja afetado por força da instituição do regime fiduciário, além de tratar da constituição de outras garantias, induzindo a crer que há uma garantia imobiliária natural. 


Para o autor citado, créditos decorrentes de financiamentos sem finalidade específica, mas garantidos por direito real imobiliário, poderiam ser objeto de securitização com base na Lei 9.514/1997.

Entendimento esse que, sem dúvida, fomenta a ampliação do mercado de CRIs com segurança jurídica. Todavia, ocorre que, hoje, tal posição não é exatamente acatada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Analisamos alguns julgados do colegiado da CVM e concluímos que sua posição ainda não é totalmente clara sobre o tema. Tanto o aspecto da origem do crédito quanto o da sua vinculação a uma garantia real e o da finalidade da Lei 9.514/1997 foram levados em conta nos julgados analisados. Todavia, parece-nos certo que, no âmbito da referida autarquia, a simples vinculação do crédito a uma garantia real imobiliária é insuficiente para a caracterização do mesmo como crédito imobiliário. 

Pensamos que a origem dos créditos é o elemento central que deve permear a caracterização do crédito como imobiliário ou não. A natureza imobiliária do crédito não pode ser conceituada exclusivamente em decorrência de sua garantia, que é acessória. O acessório segue o principal e não o inverso. 

A Lei 9.514/1997 foi instituída com o propósito de dinamizar o setor imobiliário, exclusivamente. Sustentar que um crédito pode ser considerado imobiliário para fins de securitização, pela simples vinculação deste a uma garantia real, possibilitaria a transposição de toda a sistemática criada pela Lei 9.514/1997, para todos os demais setores da economia. 

Entendemos, portanto, que a melhor forma de conceituar crédito imobiliário para fins de securitização é a partir de sua ligação, na origem, a uma atividade imobiliária. Assim, englobar-se-iam no conceito os créditos decorrentes de ou para a consecução de atividades imobiliárias, como, por exemplo, mútuos para a aquisição, a construção, a ampliação ou a reforma de um imóvel, bem como os originados de sua exploração, como, por exemplo, de locações, cessões de direito real de superfície e built to suit.


3 DA SEGREGAÇÃO PATRIMONIAL


Como visto, a principal característica da operação de securitização reside na segregação do ativo que lastreia os títulos emitidos do patrimônio geral de seu originador.

A diferença entre uma emissão normal de um título ou valor mobiliário e a emissão decorrente de securitização reside exatamente nisto, ou seja, na separação do ativo em questão do patrimônio geral do originador, obrigatória nesta.

Tal segregação blinda, a princípio, a fonte de pagamento dos títulos, de responder por eventuais obrigações gerais do originador. Dá, portanto, maior segurança aos investidores, compradores dos títulos emitidos.

Basicamente, a segregação patrimonial nas operações de securitização é promovida pela transferência do ativo para um veículo de propósito específico. A doutrina denomina esse tipo de segregação de externa, pois o ativo é de fato transferido para fora do patrimônio do originador, via cessão.  

No entanto, a Lei 9.514/1997 criou outra forma, interna, de segregação patrimonial, que é o regime fiduciário. Nele, que será melhor estudado adiante, o ativo permanece na titularidade do originador afetado, contudo, a uma finalidade específica, não respondendo por obrigações gerais deste.


3.1 Das Companhias Securitizadoras de Créditos Imobiliários   


Na estrutura da operação de securitização prevista na Lei 9.514/1997, o crédito deve obrigatoriamente passar por uma companhia securitizadora, sendo esta a única autorizada a emitir os CRIs.

As companhias securitizadoras de créditos imobiliários são conceituadas pelo art. 3º da Lei 9.514/1997, nos seguintes termos:


[...] instituições não financeiras constituídas sob a forma de sociedade por ações, terão por finalidade a aquisição e securitização desses créditos e a emissão e colocação, no mercado financeiro, de Certificados de Recebíveis Imobiliários, podendo outros títulos de crédito, realizar negócios e prestar serviços compatíveis comas suas atividades.


O registro da securitizadora na CVM é regulamentado pela Instrução CVM nº 480, de 7 dezembro de 2009. Vale alertar que o registro de companhia emissora de valores mobiliários é independente do pedido de registro de oferta pública de distribuição de valores mobiliários.

Como regras específicas das companhias securitizadoras, o Anexo 32-II, da mencionada Instrução, determina que elas devem informar à CVM sobre a aquisição, a retrocessão, o pagamento e a inadimplência dos créditos vinculados à emissão de CRIs, bem como fornecer demonstrações financeiras independentes relativas a cada um dos patrimônios separados por emissão de certificados de recebíveis ou debêntures em regime fiduciário.

Relevante decisão da CVM reconheceu a possibilidade da securitizadora ser também a originadora do crédito lastro da operação de securitização. Entendeu a autarquia que a finalidade de aquisição de créditos imobiliários, imposta pela lei às companhias securitizadoras, não significa necessariamente que tais aquisições devam ocorrer apenas por meio da transferência de créditos imobiliários.

Autorizou, na ocasião, operação onde os créditos eram decorrentes de alugueis de bens da própria sociedade que pretendia emitir os CRIs. O fez, todavia, ressaltando a obrigatoriedade de que tais créditos fossem segregados, do patrimônio geral daquela, via regime fiduciário. Ressaltou, ainda, que a sociedade deveria ser de fato e de direito uma securitizadora, devidamente registrada na CVM.


3.2 Do Regime Fiduciário


Além da expressa criação de um VPE específico, as companhias securitizadoras de créditos imobiliários, a Lei 9.514/1997 também criou a possibilidade de separar o ativo que lastreia a securitização em um patrimônio específico, dentro do patrimônio geral da própria securitizadora.

Assim, os créditos que lastreiam os CRIs permanecem no patrimônio da securitizadora, todavia, afetados ao pagamento dos credores daqueles valores mobiliários, não podendo ser atingidos por eventuais obrigações outras da sociedade. Com a instituição do regime fiduciário, transmite-se ao mercado apenas os riscos da carteira e não os da securitizadora.

Nos termos do art. 11 da Lei 9.514/1997, a instituição do regime fiduciário sobre o crédito que serve de lastro ao CRI opera os seguintes efeitos: a) constitui patrimônio separado, que não se confunde com o da companhia securitizadora; b) mantém este apartado do patrimônio da companhia securitizadora até que se complete o resgate de todos os títulos da série a que estejam afetados; c) destina o mesmo exclusivamente à liquidação dos títulos a que estiverem afetados, bem como ao pagamento dos respectivos custos de administração e de obrigações fiscais; d) o isenta de qualquer ação ou execução pelos credores da companhia securitizadora; e) torna-o não passível de servir de garantias ou ser executado por quaisquer dos credores da companhia securitizadora, por mais privilegiados que sejam; f) restringe o mesmo a tão somente responder pelas obrigações inerentes aos títulos a eles afetados.

Instituído o regime fiduciário, o pagamento dos direitos dos beneficiários dos CRIs deverá ser promovido, exclusivamente, com os créditos imobiliários integrantes do patrimônio separado. Todavia, mediante expressa previsão no Termo de Securitização de Créditos, poderá ser conferido aos credores do patrimônio separado, se este se tornar insuficiente, o direito de haverem seus créditos contra o patrimônio geral da companhia securitizadora. Naturalmente, é possível, ainda, a constituição de garantias adicionais por terceiros. Por outro lado, uma vez satisfeitos os créditos dos beneficiários, os recebíveis imobiliários que sobejarem retornarão ao patrimônio geral da companhia.

Mesmo não havendo previsão de responsabilidade do patrimônio geral da securitizadora no Termo de Securitização, este responderá pelos prejuízos que a mesma causar por descumprimento de disposição legal ou regulamentar, por negligência ou administração temerária ou, ainda, por desvio da finalidade do patrimônio separado.

Para que a administração desse patrimônio separado seja possível, a própria Lei 9.514/1997 prevê que ele deve possuir contabilidade independente. Vale lembrar que uma mesma securitizadora poderá ser titular de infinitos patrimônios específicos.

A Lei 9.514/1997 determina que a insolvência da companhia securitizadora não afetará os patrimônios separados que tenha constituído. No mesmo sentido, reza o inciso IX do art. 119 da Lei 11.101/2005:


IX – os patrimônios de afetação, constituídos para cumprimento de destinação específica, obedecerão ao disposto na legislação respectiva, permanecendo seus bens, direitos e obrigações separados dos do falido até o advento do respectivo termo ou até o cumprimento de sua finalidade, ocasião em que o administrador judicial arrecadará o saldo a favor da massa falida ou inscreverá na classe própria o crédito que contra ela remanescer.


Problema de solução tormentosa surge em decorrência do art. 76 da Medida Provisória nº 2.158 de 24 de agosto de 2001.  Referido dispositivo determina que as normas que estabeleçam a afetação ou a separação, a qualquer título, de patrimônio de pessoa física ou jurídica não produzem efeitos em relação aos débitos de natureza fiscal, previdenciária ou trabalhista.

Trata-se de norma posterior à Lei 9.514/1997 e, ainda, especial. Mas, a Lei de Falências, que é de 2005, ao menos em seu âmbito de abrangência, regulou a matéria de modo diverso.

Poder-se-ia cogitar, então, que o patrimônio separado, decorrente do regime fiduciário ora analisado, responderia por débitos de natureza fiscal, previdenciária ou trabalhista somente até a decretação da falência, uma vez que ao intérprete cabe sempre o esforço de conciliar normas aparentemente contraditórias.

Tal conclusão gera natural perplexidade, uma vez que pressupõe um sistema jurídico evidentemente caótico e sem sentido, o que não se pode admitir. O Direito objetivo constitui sempre uma unidade regular, harmônica e coordenada. 

Logo, pensamos que o caso é de ab-rogação tácita do art. 76 da Medida Provisória nº 2.158/2001 pelo inciso IX do art. 119 da Lei de Falências. Leciona Carlos Maximiliano que quando duas leis regulam o mesmo assunto e a nova não reproduz um dispositivo particular da anterior, considera-se este ab-rogado tacitamente.  Em outra vertente, quando o princípio fundamental da velha e o da nova regra legal se contradizem absolutamente, entende-se ab-rogada a primeira.

Ao nosso sentir, o princípio fundamental que permeia a regra da Lei falimentar – a segurança jurídica – princípio este expressamente ratificado, no parágrafo primeiro do art. 136 do mesmo diploma legal, é absolutamente incompatível com o privilégio previsto no art. 76 da Medida Provisória nº 2.158/2001. Assim, por mais esta razão, teríamos a total revogação desta norma.


4 DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS ENVOLVIDOS NA SECURITIZAÇÃO DE CRÉDITOS IMOBILIÁRIOS


4.1 Da Cessão de Crédito


Caio Mário conceitua a cessão de crédito como o “negócio jurídico em virtude do qual o credor transfere a outrem a sua qualidade creditória, com todos os acessórios e garantias, salvo disposição em contrário”. 

Nesse sentido, no âmbito da securitização da Lei 9.514/1997, a cessão de crédito é o negócio no qual o originador transfere para a companhia securitizadora a qualidade de credora sobre os ativos e seus acessórios, inclusive garantias, que lastrearão os CRIs a serem emitidos.

4.1.1 Validade


Assim como qualquer negócio jurídico, a cessão deve conter os pressupostos de validade previstos no art. 104 do Código Civil, a saber: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei.

O art. 38 da Lei 9.514/1997 autoriza a forma particular, com efeitos de escritura pública, para todos os atos e contratos mencionados na referida lei ou resultantes de sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis.

Como as companhias securitizadoras não são instituições financeiras, controversa poderia ser a possibilidade daquelas comprarem créditos de entidades de tal natureza, com acessórios que somente são permitidos para estas.

Entender pela impossibilidade da fato significa a inviabilidade da securitização de créditos imobiliários, nitidamente buscada e estimulada pelo legislador. Logo, este nunca poderia ser o entendimento.

Todavia, a Lei 9.514/1997 autoriza que as operações de comercialização de imóveis, com pagamento parcelado, de arrendamento mercantil de imóveis e de financiamento imobiliário em geral possam ser pactuadas nas mesmas condições permitidas para as instituições financeiras. Promoveu, portanto, a autorização e a padronização necessárias para que tanto as instituições financeiras quanto as demais sociedades tenham acesso ao mercado de capitais. 


4.1.2 Eficácia

   

O art. 288 do CC penaliza com ineficácia em relação a terceiros a cessão de crédito não celebrada mediante instrumento público ou por instrumento particular revestido das solenidades do § 1o do art. 654 (menção ao lugar onde foi passado, à qualificação das partes, à data, ao objetivo da cessão com a designação e a extensão dos direitos transferidos à cessionária).

A nosso ver tal dispositivo não afasta a regra geral do art. 221, do mesmo diploma legal, que condiciona os efeitos do instrumento particular, perante terceiros, ao registro público.

Nesse sentido, a publicidade mediante averbação da cessão perante o Registro de Imóveis competente é medida de boa cautela e possível nos termo da vigente letra 21, do inciso II, do art. 167, da Lei 6.015/1973.

Em relação ao devedor, a regra do Código Civil é de que a eficácia da cessão perante o mesmo depende de sua notificação.  Todavia, o art. 35 da Lei 9.514/1997 dispensa a notificação do devedor, nas cessões para fins de securitização de créditos imobiliários.

Salvo melhor juízo, a norma em questão não pretendeu regular o plano da eficácia da cessão em relação ao devedor, mas sim o âmbito da validade da mesma perante este. Interessante lembrar que, quando da elaboração da Lei 9.514/1997, vigia o Código Civil de 1916.

Tal Código, em seu art. 1.069, determinava: “A cessão de crédito não vale em relação ao devedor, senão quando a este notificada [...]” . Como se vê, o dispositivo, mesmo que por equívoco terminológico, fazia menção à validade do ato. Nesse sentido, a Lei 9.514/97, ao que parece, preocupou-se em assegurar a validade do negócio sem a notificação do devedor. Contudo, a eficácia da cessão perante este pressupõe, sim e ainda, sua notificação.

Por fim, relevante ressaltar que a Lei 11.101/2005, no parágrafo primeiro, do art. 136, determina que na hipótese de securitização de créditos do devedor, não será declarada a ineficácia ou revogado o ato de cessão em prejuízo dos direitos dos portadores de valores mobiliários emitidos pelo securitizador.

Trata-se de proteção importantíssima à securitização de créditos, uma vez que dá segurança ao mercado investidor para optar pela aquisição de valores mobiliários decorrentes da securitização.


4.1.3 Fraude contra credores ou à execução


A observância dos requisitos de validade previstos no art. 104 do Código Civil, bem como os de eficácia retro mencionados, não é suficiente para elidir completamente o risco de que os créditos transacionados sejam responsabilizados por dívidas do cedente.

Caso a cessão tenha sido promovida em fraude contra credores ou em fraude à execução, o negócio será, no primeiro caso, anulável e, no segundo, ineficaz perante o credor.

A fraude contra credores ocorrerá nas cessões gratuitas, praticadas por devedor insolvente ou por ela reduzido à insolvência, assim como nas cessões onerosas, promovidas por devedor insolvente ou por ela reduzido à insolvência, quando esta for notória ou conhecida do outro contratante.

Já a fraude à execução ocorrerá nas cessões promovidas quando pendente ação contra o cedente e que o tornem insolvente. Independentemente, da boa ou má-fé do cessionário.

A ocorrência de qualquer das fraudes comentadas na cessão do crédito, objeto de securitização, muito provavelmente inviabilizaria o sucesso da operação. Logo, a idoneidade da cessão é de extrema relevância.


4.1.4 Responsabilidade do cedente


O art. 295 do CC determina que, nas cessões onerosas, o cedente é responsável pela existência do crédito ao tempo da mesma. Responsabilidade esta que abrange, na lição de Antunes Varela, “a titularidade e a validade ou consistência do direito cedido”.

Assim, haveria responsabilidade do cedente pelo crédito cedido caso, por exemplo, o mesmo já tenha sido pago pelo devedor; tenha sido previamente cedido para outrem; ou venha a ser modificado após a cessão, em razão de ações revisionais.

Por outro lado, o cedente somente é responsável pela solvência do devedor caso haja estipulação expressa nesse sentido, nos ditames do art. 296 do CC. Responsabilidade esta que se restringe à impossibilidade do débito ser honrado em razão da insolvência do devedor. Não se aplica, portanto, aos casos de inadimplemento culposo do devedor solvente. 

Silvio Rodrigues leciona, ainda, que, a princípio, o cedente garante apenas a solvabilidade do devedor no momento da cessão. Somente regulação expressa obrigará o cedente a responder pela insolvência do devedor, ocorrida em momento posterior à cessão.  

A responsabilidade pela solvência do devedor é limitada, todavia, ao valor recebido do cessionário, com a devida correção e juros, bem como ao ressarcimento das despesas com a cessão e com eventual cobrança, arcadas por este.

Logo, a responsabilidade em questão não se assemelha à fiança nem à solidariedade. Possui mais função indenizatória do que satisfatória. 


4.1.5 Direitos do devedor que podem influenciar no crédito cedido


Nos termos do art. 294 do Código Civil: “O devedor pode opor as exceções pessoais que lhe competirem ao cessionário, bem como as que, no momento da cessão, tinha contra o cedente.”

Nesse contexto interessante, ao menos, supormos três situações: a compensação, a desistência e o não cumprimento da contraprestação pelo cedente.

A primeira hipótese pressupõe a existência de crédito, líquido e vencido, do devedor para com o originador. Nesse caso, o devedor pode, quando cientificado da cessão, invocar o direito à compensação, extinguindo, ao menos parcialmente, o crédito cedido à securitizadora.

Similar efeito é gerado pela desistência do devedor, ocasião em que, além da extinção do crédito, temos, em determinados casos, como consequência a obrigação de devolução de valores. Nesse particular, interessante mencionarmos que a jurisprudência evoluiu no sentido de que as promessas de compra e venda de imóveis, mesmo com cláusula de irretratabilidade, podem ser resilidas, especialmente quando o promitente-comprador alega dificuldades financeiras. 

Por fim, no caso da obrigação do originador não ser cumprida, ou o ser insatisfatoriamente, o devedor tem exceção de contrato não cumprido em face do cessionário, ou seja, terá o direito de cessar o pagamento da obrigação assumida.

4.2 Da Cédula de Crédito Imobiliário


A Cédula de Crédito Imobiliário (CCI) é hoje regulamentada pela Lei 10.931/2004. Trata-se de um título executivo extrajudicial, onde se condensam todas as características do crédito imobiliário que representa.

Melhim Chalhub leciona que “[...] a CCI é instrumento de representação e de cessão de créditos vinculados a negócios imobiliários, notadamente os créditos decorrentes de comercialização de unidades imobiliárias componentes de incorporações imobiliárias [...]”

Assim como a Lei nº 9.514/1997, a Lei nº 10.931/2004 não conceitua o que seria crédito imobiliário. Todavia, autoriza a emissão de CCI com ou sem garantia. Logo, por mais esta razão, subentende-se que não seria pressuposto do conceito de crédito imobiliário uma relação de direito real deste com imóveis.

A CCI pode ser emitida por qualquer titular de crédito imobiliário, como, por exemplo, instituições financeiras, incorporadores grandes e pequenos ou até mesmo pessoas físicas. Pode, ainda, representar todo ou parte do crédito do emitente. Sua emissão, bem como sua negociação, independe da ciência ou aquiescência do devedor.

A lei prevê duas formas para a CCI: cartular ou escritural. A emissão da CCI sob a forma escritural pode se dar por escritura pública ou instrumento particular, devendo permanecer custodiada em instituição financeira e registrada em sistema de registro e liquidação financeira de títulos privados autorizado pelo Banco Central do Brasil.

A cessão do crédito representado por CCI escritural se faz, portanto, pelos sistemas de registro e liquidação mencionados. Já a dos representados por CCI cartular via endosso no próprio título.

A CCI representativa de crédito com garantia real imobiliária deve ser averbada no Registro de Imóveis. Todavia, o art. 22 da Lei 10.931/2004 dispensa a averbação da cessão de crédito garantido por direito real no Registro de Imóveis, quando representado por CCI escritural.

Não obstante, o cessionário cauteloso não a pode dispensar, dando assim publicidade ao ato e evitando eventuais futuras alegações de fraude. Ora, embora a lei vede a averbação da CCI quando houver “prenotação ou registro de qualquer outro ônus real sobre os direitos imobiliários respectivos, inclusive penhora ou averbação de qualquer mandado ou ação judicial” , a existência de processo judicial contra o cedente, não averbado no Registro de Imóveis, pode afetar o crédito do cessionário.

A CCI foi instituída na legislação pátria com o claro objetivo de dinamizar a circulação de créditos imobiliários, especialmente para as operações de securitização imobiliária, simplificando e reduzindo custos da cessão.

Na etapa inicial da securitização, o originador emite as CCIs e as endossa, no caso de cartulares, à securitizadora. Posteriormente, as CCIs são levadas ao Registro de Imóveis para averbação das cessões, autorizando, assim, que a companhia securitizadora lavre o termo de securitização indicando nele apenas o número, o valor, a série e a instituição custodiante da CCI.

   

4.3 Das Garantias dos Créditos 


A Lei nº 9.514/1997, em seu art. 17, dispõe que os financiamentos imobiliários em geral poderão ser garantidos por hipoteca, alienação fiduciária de coisa imóvel, caução de direitos creditórios ou aquisitivos decorrentes de contratos de venda ou promessa de venda de imóveis e cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis. Reconheceu, ainda, aos três últimos institutos a natureza de direito real incidente sobre os respectivos objetos.

Sem qualquer dúvida, a alienação fiduciária de bens imóveis foi a grande inovação legislativa no que diz respeito à segurança do crédito imobiliário. O instituto é um dos responsáveis pela atual pujança do setor imobiliário pátrio.


4.3.1 Da Alienação Fiduciária de bens Imóveis


A alienação fiduciária de bens imóveis é hoje regulada pela Lei 9.514/1997, bem como pelas Leis 10.931/2004 e 11.076/2004 e, subsidiariamente, pelo Código Civil e pelo Decreto-Lei 70/66.

Nos termos do art. 22, da Lei nº 9.514/97, a alienação fiduciária de bem imóvel é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.

Como se extrai da própria noção de fidúcia  e do conceito legal supra, na alienação fiduciária em garantia o devedor transmite a propriedade para o credor para que este fique com ela até que a obrigação seja cumprida.

Como se trata de direito real sobre imóvel, sua constituição pressupõe o registro do contrato no Registro de Imóveis. Não obstante a transmissão da propriedade, a posse direta sobre o bem permanece com o devedor-fiduciante, surgindo para o credor-fiduciário a posse indireta.

Cumprindo o devedor a sua obrigação, o fiduciário deve entregar àquele termo de quitação da dívida, que é o documento hábil para o cancelamento da propriedade fiduciária no Registro de Imóveis.

Em caso de mora do devedor-fiduciante por prazo maior que o de carência estipulado no contrato, o credor-fiduciário poderá deflagrar a execução extrajudicial da garantia.

Inicialmente, requererá ao Oficial do Registro de Imóveis que notifique o devedor oportunizando a purgação da mora. Caso o débito não seja pago, o credor-fiduciário fica autorizado a consolidar a propriedade plena sobre o imóvel em seu nome, pagando o devido Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis.

Feito isso, o credor deve promover a realização de dois leilões do imóvel. No primeiro, o lance mínimo deve ser igual ou maior que o valor do bem, estipulado no contrato firmado entre as partes. No segundo, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, encargos e despesas. Não havendo lance neste patamar, o credor exonerará o devedor do pagamento da diferença, dando-lhe quitação da dívida e ficando com o imóvel.

A Lei 9.514/1997 garante ao fiduciário, seu cessionário ou sucessores, inclusive o adquirente do imóvel por força dos leilões, a reintegração liminar na posse do imóvel, para desocupação em sessenta dias, desde que comprovada a consolidação da propriedade em seu nome.

Interessante mencionar que a alienação fiduciária de bens imóveis pode ser contratada por qualquer pessoa e em garantia de qualquer obrigação. A referida garantia pode, ainda, ser prestada por terceiros.


3.4 Do Termo de Securitização


O Termo de Securitização de Créditos é o instrumento lavrado pela companhia securitizadora que dá origem aos CRIs. É ele que promove a vinculação dos créditos imobiliários àqueles. O mesmo pode ser celebrado tanto por instrumento público quanto particular.

Tal Termo deve descrever minimamente cada crédito que lastreará os CRIs, indicar seu(s) devedor(es), identificar os CRIs emitidos, bem como eventuais garantias constituídas para assegurar o pagamento dos investidores.

No caso dos créditos imobiliários estarem representados por CCI, o Termo de Securitização deve conter: o valor, o número, a série e a instituição custodiante das cédulas. Por outro lado, fica dispensado de mencionar as informações já constantes na mesma ou no seu registro.

Como visto, a instituição de regime fiduciário sobre os créditos que lastreiam os CRIs se dá mediante declaração unilateral da securitizadora no Termo de Securitização de Créditos, concordando com as conseqüências de segregação e afetação patrimonial decorrentes do mesmo.

Nesse caso, além de dita declaração, o Termo de Securitização deverá nomear o agente fiduciário, definir seus deveres, responsabilidade e remuneração, bem como as hipóteses, condições e forma de sua destituição ou substituição e as demais condições de sua atuação. Naturalmente, o agente fiduciário deverá anuir no Termo com a sua nomeação.

Ainda no caso de instituição de regime fiduciário, o Termo de Securitização conterá a forma de liquidação do patrimônio separado. Deverá, também, ser averbado na matrícula de cada imóvel vinculado ao mesmo, exceto nos casos de créditos representados por CCIs, pois, nestes casos, o Termo de Securitização será registrado na instituição custodiante da Cédula.   

Nos termos do § 5º, do art. 7º, da Instrução Normativa nº 414 da CVM, a averbação ou o registro, acima mencionados, é obrigatória. Sua inobservância gera o cancelamento do registro de oferta pública de distribuição de CRI.

Em caso de coobrigação da companhia securitizadora perante os titulares dos CRIs, o Termo de Securitização deverá ser aditado para incluir novos créditos imobiliários, quando de verificar a insuficiência dos originalmente vinculados para o pagamento dos credores.  

3.5 Dos Certificados de Recebíveis Imobiliários


A Lei 9.514/1997, em seu art. 6º, conceitua o Certificado de Recebíveis Imobiliários como um título de crédito nominativo, de livre negociação, lastreado em créditos imobiliários, que constitui promessa de pagamento em dinheiro.       

Entretanto, o CRI vai além de mero título de crédito. É valor mobiliário, como reconhecido na Resolução nº 2.517, de 26.06.98, do Conselho Monetário Nacional. Os valores mobiliários se distinguem dos títulos de crédito especialmente por sua função econômica, uma vez que, ao contrário destes, aqueles têm vocação para distribuição em massa.

A oferta pública de CRI é naturalmente regulamentada e fiscalizada pela Comissão de Valores Mobiliários. A Instrução Normativa nº 414/2004 da CVM, com alterações promovidas pelas instruções nº 443, 446 e 480, é a que dispõe sobre a oferta pública de distribuição de CRI. 

Os CRIs possuem forma exclusivamente escritural. Suas demais características estão listadas nos incisos do art. 7º da Lei 9.514/1997.  O registro e a negociação do CRI se dá por meio de sistemas centralizados de custódia e liquidação financeira de títulos privados. Os CRIs podem, hoje, ser negociados tanto no mercado de balcão organizado quanto no de bolsa de valores.

A remuneração dos CRIs é regulada pela decisão conjunta nº 13 do BACEN e da CVM. Os mesmos não podem ser emitidos com cláusula de correção monetária com base na variação da taxa cambial.

Por outro lado, é admitida a estipulação de cláusula de reajuste, com periodicidade mensal, por índices de preços setoriais ou gerais ou pelo índice de remuneração básica dos depósitos de poupança, se emitidos com prazo de vencimento mínimo de 36 meses. Normalmente, as taxas de juros são prefixadas,

Em síntese, as principais regras previstas na atual redação da instrução CVM nº 414 são as seguintes:

a)    A oferta pública de distribuição de CRI pressupõe, além da concessão do registro da distribuição, a vigência do registro de companhia aberta da securitizadora.

b)    Os créditos imobiliários que lastreiam a emissão de CRI devem obedecer ao limite máximo de 20% (vinte por cento), por devedor ou coobrigado. Limite este que pode ser excedido caso o devedor ou coobrigado tenha registro de companhia aberta, seja instituição financeira ou equiparada ou, ainda, caso seja sociedade empresarial que tenha suas demonstrações financeiras, relativas ao exercício social imediatamente anterior à data de emissão do CRI, elaboradas em conformidade com o disposto na Lei nº 6.404/1976 e auditadas por auditor independente registrado na CVM.

c)    A oferta pública de distribuição de CRI de valor nominal unitário inferior a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) somente será admitida para CRIs lastreados em créditos com regime fiduciário, originados de imóveis com a conclusão da obra certificada pelo órgão administrativo competente ou da aquisição ou da promessa de aquisição de unidades imobiliárias vinculadas a incorporações imobiliárias com patrimônio de afetação, nos termos dos arts. 31-A e 31-B da Lei nº 4.591/1964.

d)    O pedido de registro de oferta pública de distribuição deve ser apresentado à CVM pela instituição líder da distribuição, ou pela companhia securitizadora (é dispensada a participação de instituição intermediária nas ofertas para captação de importância inferior ou igual a R$ 30.000.000,00), mediante formulário elaborado em conformidade com o Anexo I da Instrução 414 e que observe o disposto na Instrução CVM nº 400/2003.  O pedido de registro deve ser instruído com o Termo de Securitização de Créditos, contendo as informações e documentos indicados no Anexo III da mesma Instrução. O Termo de Securitização de Crédito deverá estar registrado ou averbado, no cartório de registro de imóveis competente ou na instituição custodiante, quando instituído regime fiduciário e o lastro da emissão consistir em Cédulas de Crédito Imobiliário, na forma do art. 23 da Lei 10.931/2001. Quando se tratar de CRI de valor nominal unitário inferior a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), será obrigatório, ainda, pelo menos um relatório de agência classificadora de risco do título.

e)     O prazo de encerramento da oferta pública de distribuição é de 6 (seis) meses, contados da data da concessão do registro pela CVM.

f)      O indeferimento do registro, ou o seu cancelamento pela CVM, acarreta a suspensão da negociação dos CRIs e a necessidade de seu resgate imediato, pelo valor unitário atualizado, independentemente da anuência dos detentores dos CRIs.

Paulo Sérgio de Moura classifica os CRIs nas seguintes espécies: a) CRI com regime fiduciário puro; b) CRI com regime fiduciário e coobrigação da companhia securitizadora; c) CRI sem regime fiduciário propriamente dito; d) CRI sem regime fiduciário e com garantia flutuante; e) CRI com regime fiduciário seniores; e f) CRI com regime fiduciário juniores.

Os CRIs com regime fiduciário puro são os lastreados em créditos com regime fiduciário e sem garantia adicional. Nestes, somente o patrimônio segregado é fonte de recursos para pagamento dos titulares dos CRIs.

Os CRIs com regime fiduciário e co-obrigação da companhia securitizadora são aqueles que, além de lastreados em créditos com regime fiduciário, os investidores têm também o direito de haver seus créditos contra o patrimônio geral da securitizadora. Nos mesmos, esta é obrigada aditar o Termo de Securitização de Créditos com novos créditos, caso os originais se mostrem insuficientes para pagamento dos titulares de CRI.

Os CRIs sem regime fiduciário propriamente dito são os emitidos sem a segregação patrimonial dos créditos que servem de lastro aos títulos e, também, sem nenhuma outra garantia. Entretanto, os mesmos não representam mera obrigação contra o patrimônio da companhia securitizadora, uma vez que tais créditos estão vinculados aos CRIs e consequentemente ao pagamento de seus titulares.

Tal vinculação impede que a securitizadora negocie referidos créditos ou os dê em garantia de outras operações. A impossibilidade de negociação dos créditos não se confunde com a de administração dos mesmos. Uma vez que a securitizadora continua sendo a credora destes, é ela quem pode renegociá-los, bem como adotar outras medidas coerentes com sua posição. 

Os CRIs sem regime fiduciário e com garantia flutuante, por sua vez, possuem as mesmas características dos sem regime fiduciário propriamente ditos. Todavia, aos mesmos é assegurado privilégio geral sobre o ativo da companhia securitizadora, nos termos do §2º do art. 7, da Lei 9.514/1997. Assim, no caso de falência desta, os titulares de CRIs terão privilégio geral.

Este privilégio não impede que a securitizadora negocie os bens de seu ativo, mas, por outro lado, esta continua impedida de alienar ou dar em garantia os créditos que servem de lastro dos CRIs.

Os CRIs com regime fiduciário, seniores ou juniores, foram expressamente autorizados pela CVM em consulta formulada por securitizadora – processo CVM RJ2001/0064.

Os mesmos decorrem de uma mesma emissão, mas de séries distintas, com subordinação entre estas, dando uma garantia a mais para a série com preferência e um risco extra para a outra.

Os CRIs com regime fiduciário seniores conferem a seus titulares, portanto, o direito de receber seu crédito antes do pagamento dos credores dos CRIs com regime fiduciário juniores, na forma que dispuser o Termo de Securitização de Créditos.

Nesse caso, o Termo poderá dispor livremente, ainda, sobre a ordem de pagamento dos tributos do patrimônio separado e das despesas da securitização. Vale ressaltar, também, que não há óbice à criação de diversas séries de CRIs juniores, com diferentes classes e graus de subordinação, portanto.   


CONCLUSÃO

   

A nosso ver, o vigente ordenamento jurídico nacional possibilita que a securitização de créditos imobiliários se torne uma fonte alternativa relevante de financiamento da atividade imobiliária no país. 

A Lei 9.514/1997, além de regular especificamente a operação, criou dois institutos de enorme relevância para a segurança jurídica da mesma: o regime fiduciário e a alienação fiduciária de bens imóveis.

Outros diplomas legais, como as Leis 10.931/2001 e 11.101/2005, também contribuem para a confirmação da hipótese. A primeira, como a criação da CCI, simplifica e dá maior velocidade à securitização em questão. A última, com a não inclusão do patrimônio instituído pelo regime fiduciário na massa falida, bem como com a valorização da eficácia das cessões de créditos promovidas em sede de securitização, serve a sua segurança.

A regulamentação da CVM sobre a matéria, especialmente a instrução CVM nº 414, também se mostra detalhada e em consonância com os anseios de segurança dos investidores do mercado de capitais. O reconhecimento por parte da autarquia da possibilidade de subordinação entre CRIs de emissão conjunta é, também, relevante para o desenvolvimento da securitização ao passo que melhor organiza o risco dos títulos, adequando os mesmos ao perfil dos investidores.

Na legislação, o único ponto de insegurança está no art. 76 da Medida Provisória nº 2.158 de 24 de agosto de 2001, que torna sem efeito a segregação patrimonial instituída pelo regime fiduciário em relação aos débitos de natureza fiscal, previdenciária ou trabalhista de seu titular. Todavia, como visto, nosso entendimento é de que referido dispositivo foi tacitamente ab-rogado pelo inciso IX do art. 119 da Lei de Falências.

Na prática, a segurança jurídica da operação pressupõe, basicamente, a análise da validade e da eficácia da cessão de crédito, bem como a adequação daquela às regras legais e da CVM. Sendo idônea a cessão de crédito e estando a operação em consonância com as normas mencionadas, o risco dos titulares de CRIs passa a se limitar ao risco dos créditos que lastreiam os mesmos.

Risco este que, como visto, é obrigatoriamente mensurado por agência classificadora de risco em determinados casos, o que, naturalmente, também pressupõe a participação de profissional do direito.


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