Da Outorga Onerosa do Direito de Construir

I)    DO DIREITO DE CONSTRUIR E SEUS LIMITES

O direito de propriedade faculta a seu titular o uso, o gozo e a disposição da coisa. Logo, o direito de construir é decorrência lógica do direito de propriedade do solo.

Superada a idéia de propriedade absoluta, passando o direito de propriedade a estar jungido ao dever de cumprimento de uma função social, é natural que o direito que construir encontre limitações. 
Nesse sentido, o proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, desde que observados os direitos de vizinhança e os regulamentos administrativos. (art. 1.299 do Código Civil).

As restrições de vizinhança são normas de direito privado que visam resguardar o próprio direito de propriedade do solo, especialmente o uso e o gozo, seguro, saudável e sossegado dos que o habitam.

As limitações administrativas são normas de direito público, editadas em nome da ordem pública e em benefício de toda a coletividade.

Estas podem ser assim conceituadas: “toda imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública condicionadora do exercício de direitos ou de atividades particulares às exigências do bem estar social.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de construir. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 89)
Fundamentam-se no exercício do poder de polícia, ou seja, na faculdade da Administração Pública de restringir e condicionar o exercício de direitos individuais, em benefício do bem estar social.

II)    DO USO E OCUPAÇÃO DO SOLO URBANO

Dentro das limitações administrativas ao direito de construir, encontramos a regulamentação do uso e ocupação do solo urbano. 
Regulamentação esta de enorme importância, pois ligada à funcionalidade das cidades. O processo de urbanização foi historicamente negligenciado e, caso não melhor tratado, gerará cidades inviáveis.

A ordenação do uso e ocupação do solo urbano é de competência legislativa privativa dos Municípios (art. 30, VIII, da CF), exercida tanto no Plano Diretor quanto em leis edilícias que o complementam.
 No município de Goiânia, o seu Plano Diretor (Lei Municipal Complementar 171/2007) traz os seguintes instrumentos normativos ligados ao uso e ocupação do solo:

a)    Dimensionamento mínimo de lotes;

b)    Recuos ou afastamentos, que designam as distâncias medidas entre o limite externo da projeção horizontal da edificação e a divisa do lote;

c)    Altura máxima da edificação, determinada pela cota máxima de altura da edificação, medida em relação a laje de piso do pavimento térreo e a laje de cobertura do último pavimento útil e designada em metros lineares;

d)    Índice de Permeabilidade, pelo qual se define a parcela mínima de solo permeável do lote, destinada à infiltração de água com a função principal de realimentação do lençol freático;

e)    Índice de Ocupação, pelo qual se define a superfície de terreno edificável;

f)    Coeficiente de Aproveitamento Básico, pelo qual se define a quantidade de edificação, em metros quadrados, que pode ser construída na superfície edificável do terreno, sem qualquer contrapartida ao ente municipal.

Ao nosso tema, interessa o último. A evolução tecnológica permitiu ao homem a construção de vários pisos artificiais sobrepostos ou subpostos, a partir do solo natural. Multiplicou-se, com isso, o potencial construtivo dos solos naturais.

Consequentemente, tornou-se necessário o controle dessa capacidade construtiva, pois a mesma está diretamente ligada à densidade populacional. 
Normalmente, o coeficiente de aproveitamento correlaciona metros quadrados de construção com metros quadrados do terreno.
Por exemplo, um coeficiente de aproveitamento igual a 1,0 significa que em um lote de 1000 m2 pode-se construir até 1000 m2. Um coeficiente de aproveitamento igual a 2,2 significa que em um lote de 1000 m2 pode-se construir até 2200 m2.

Seria o coeficiente de aproveitamento, então, um limite máximo para toda e qualquer construção? 

III)    DA OUTORGA ONEROSA DO DIREITO DE CONSTRUIRA

Outorga onerosa do direito de construir é exatamente o instrumento legal que viabiliza a construção acima do coeficiente básico de aproveitamento, desde que prestada uma contraprestação ao ente municipal.

A lógica do instituto é a de que o aumento considerável da densidade populacional decorrente da construção acima do potencial construtivo básico gera a necessidade de correspondente contrapartida em equipamentos públicos (ruas, praças, áreas verdes, serviços públicos etc).

Logo, a contrapartida do particular viabilizaria a execução desses equipamentos públicos. O Estatuto da Cidade norma nacional geral de direito urbanístico prevê e regula o instituto da outorga onerosa do direito de construir, nos seguintes termos:

Art. 28. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.

§ 1o Para os efeitos desta Lei, coeficiente de aproveitamento é a relação entre a área edificável e a área do terreno.

§ 2o O plano diretor poderá fixar coeficiente de aproveitamento básico único para toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona urbana.

§ 3o O plano diretor definirá os limites máximos a serem atingidos pelos coeficientes de aproveitamento, considerando a proporcionalidade entre a infra-estrutura existente e o aumento de densidade esperado em cada área.

(...)

Art. 30. Lei municipal específica estabelecerá as condições a serem observadas para a outorga onerosa do direito de construir ...., determinando:

I – a fórmula de cálculo para a cobrança;

II – os casos passíveis de isenção do pagamento da outorga;

III – a contrapartida do beneficiário.

Art. 31. Os recursos auferidos com a adoção da outorga onerosa do direito de construir ... serão aplicados com as finalidades previstas nos incisos I a IX do art. 26 desta Lei [I – regularização fundiária; II – execução de programas e projetos habitacionais de interesse social; III – constituição de reserva fundiária; IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana; V – implantação de equipamentos urbanos e comunitários; VI – criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes; VII – criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental; VIII – proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico; IX – (VETADO)]

Nesse sentido, quando autorizado pela legislação municipal, o proprietário tem o direito de construir além dos limites do coeficiente, desde que presta contrapartida. Não pode a administração negar-lhe o mesmo.

A natureza jurídica da contraprestação dada pelo particular ao Município, na outorga onerosa, é controvertida. Especialmente, quando promovida de forma pecuniária.
Todavia, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou ao menos em duas oportunidades pela constitucionalidade do instituto, RE 387047 e RE 226942, afirmando não se tratar de tributo.

IV)    DA OUTORGA ONEROSA NO MUNICÍPIO DE GOIÂNIA

No município de Goiânia, a outorga onerosa do direito de construir é regulada pelo Plano Diretor e pela Lei Municipal 8.618/2008.

Para melhor compreender a outorga onerosa em Goiânia, importante, antes de tudo, analisar aspectos do zoneamento de nossa Capital.

Quanto ao adensamento, o Plano Diretor subdivide a área urbana de Goiânia em: Áreas Adensáveis; Áreas de Adensamento Básico; Áreas de Desaceleração de Densidades; e Áreas de Restrição à Ocupação.

As Áreas Adensáveis são aquelas onde deve ser incentivada uma maior densidade habitacional e de atividades econômicas. (art. 110, I, do Plano Diretor)

As Áreas de Adensamento Básico correspondem às áreas de baixa densidade, onde é admitida a duplicação dos atuais padrões de densidade. (art. 110, III, do Plano Diretor)

As Áreas de Desaceleração de Densidades são aquelas para onde devem ser dirigidas ações de controle e redução de atual processo de densificação. (art. 110, II, do Plano Diretor)

As Áreas de Restrição à Ocupação são as onde devem ser establecidas normas de restrição parcial ou absoluta à ocupação urbana. (art. 110, IV, do Plano Diretor) 

Referidas áreas estão devidamente identificadas na figura 7, anexa ao Plano Diretor. A outorga onerosa é possível nas três primeiras áreas supramencionadas, pois somente nestas há previsão legal para seu cálculo. 

O art. 148 do Plano Diretor de Goiânia fixa como o coeficiente de aproveitamento básico o “equivalente a todas as áreas edificadas cobertas, construídas até a laje de cobertura, na cota máxima de 6,00m (seis metros) de altura da edificação, assim como aquelas pertencentes ao seu subsolo”.

Seu parágrafo único, por sua vez, com redação dada pela Lei Complementar 181, traz a seguinte isenção: “Ficam isentos de pagamento da Outorga Onerosa do Direito de Construir todos os imóveis contidos nas áreas Adensáveis, Especiais de Interesse Social, áreas de programas de interesse ambiental, nas áreas de Adensamento Básico e na Unidade de Uso Sustentável, até no máximo ao correspondente à área de sua unidade imobiliária”.

A Lei Complementar Municipal 177/2008, o Código de Obras de Goiânia, traz mais uma isenção no parágrafo único de seu art. 67: “Fica dispensado da exigência da Outorga Onerosa do Direito de Construir todas as áreas cobertas, até a altura máxima de 9,0m (nove metros), destinadas a estacionamento de veículos, excetuados os edifícios garagem.”

Portanto, a avaliação da necessidade de pagamento da outorga onerosa em Goiânia passa pela análise dos limites do coeficiente de aproveitamento básico. Superado o limite de altura previsto por este, deve-se avaliar o enquadramento ou não do projeto em uma das normas de isenção, total ou parcialmente.

Embora o Estatuto da Cidade determine que o Plano Diretor deva fixar um limite máximo para a outorga onerosa, a legislação de Goiânia não o faz.

O Plano Diretor fixa tão somente a possibilidade do chefe do executivo suspender novas outorgas onerosas, caso se revele tendência de saturação de determinada área no período de um ano. Iniciando a suspensão 180 dias após o ato suspensivo. (art. 149 do Plano Diretor)

Vale dizer aqui que as Áreas Adensáveis e as Áreas de Desaceleração de Densidades não possuem limitação quanto à altura máxima das edificações. (art. 124 do Plano Diretor)

Já nas áreas de Adensamento Básico há limite de altura máxima de 9 (nove) metros de altura para a laje de cobertura. Logo, a verticalização não é possível nessas áreas. (art. 125 do Plano Diretor)

O cálculo do contrapartida financeira na outorga onerosa deve obedecer a seguinte fórmula:    

VOO = (Vm x VI x QSC), onde:

VOO = Valor da Outorga Onerosa

Vm = Valor do metro quadrado da área representada na tabela de preço público.

VI = Valor do índice

QSC = Quantidade de metro quadrado de solo criado.

(art. 150 do Plano Diretor e §5 do art. 2º da Lei Municipal 8.618/2008)

O valor do metro quadrado é obtido a partir do Custo Unitário Básico de Construção (CUB) elaborado pelo Sindicato da Indústria da Construção no Estado de Goiás – SINDUSCON-GO. (art. 2º, caput, da Lei Municipal 8.618/2008)

O CUB é um indicador do custo médio do metro quadrado de construção, como o próprio nome diz. O mesmo é elaborado pelos SINDUSCONs de todos os estados, obedecendo a normas da ABNT.

A legislação dividiu os setores da cidade em quatro grupos. (§2º do art. 2º da Lei Municipal 8.618/2008)

Em cada um deles, o valor do metro quadrado a ser aplicado na fórmula será um percentual diverso do CUB.

No grupo I, o valor do metro quadrado corresponde a 50% do CUB; no grupo II, a 40%; no três, a 30%; e no quatro, a 20%. (§1º do art. 2º da Lei Municipal 8.618/2008)

O valor do índice é 0,10 para as Áreas Adensáveis; 0,15 para as Áreas de Adensamento; e 0,20 para as Áreas de Desaceleração de Densidades. (art. 151 a 153 do Plano Diretor)

A lógica do enquadramento dos bairros em cada grupo não segue a mesma do estímulo ao adensamento prevista no Plano Diretor. Por exemplo, o Setor Oeste é enquadrado pelo plano diretor quase integralmente como zona adensável onde é previsto o menor índice. Todavia, está no grupo I, ou seja, onde o percentual sobre o CUB é maior.

Exemplificando:

1)    Construção de alto padrão multifamiliar 
Setor Bueno (desaceleração)
Valor do CUB de setembro: R$ 1.164,00
VOO por metro quadrado = 0,5 x 1164 x 0,2 = R$ 116,40. 
       

A contrapartida do particular não necessariamente deve ser prestada em pecúnia. Pode o ser através de bens, obras ou serviços. (§1º, do art. 1º da Lei Municipal 8.618/2008).

A prestação na forma de bens, obras ou serviços está, todavia, na seara de discricionariedade administrativa. Não sendo, portanto um direito do administrado.

Tal forma de pagamento não pode ultrapassar 60% (sessenta por cento) do valor da outorga solicitada. (inciso II, art. 4º, da Lei Municipal 8.618/2008)    

Quando se tratar de recebimento de bens, os mesmos devem ser livres e desembaraçados e situarem-se no município de Goiânia. O solicitante arcará com todas as taxas e emolumentos necessários à transferência, inclusive certidão de registro do imóvel. (inciso II, art. 4º, da Lei Municipal 8.618/2008).

Por Dr. Arthur Rios Júnior

Sócio da Arthur Rios Advogados desde 2006⁣⁣

Graduado pela Universidade Federal de Goiás (UFG)⁣⁣

Especialista em Direito Civil e Processual Civil, Universidade Cândido Mendes⁣⁣

Especialista em Direito Corporativo (LL.M.), Ibmec⁣⁣

Especialista em Direito Tributário, Ibet⁣⁣

Co-autor "Manual De Direito Imobiliário" (Juruá)⁣⁣

Vice-Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/GO, 2013/2015⁣⁣

Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/GO, Subseção de Aparecida de Goiânia, 2016/2018⁣⁣

Árbitro na 2ª Corte de Conciliação e Arbitragem de Goiânia de 2014 a 2019⁣⁣

Conselheiro Jurídico da Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil desde 2014⁣⁣

Atual Diretor em Goiás do Instituto Brasileiro De Direito Imobiliário (Ibradim)⁣⁣

Atual Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAG/GO

Atuação no Direito Imobiliário e da Construção desde 2001.⁣⁣

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